Parece-me óbvio que, passados tantos anos de crise controlada ou disfarçada, tantos anos em que os estratos sociais mais baixos sentiram na pele as agruras da sua própria condição, a crise havia de tocar aos ricos.
A problemática que para mim se coloca é que, ao invés do frio manto que cobre os pobres ou menos afortunados, os ricos e influentes tapam-se com edredons dourados e cobertores de seda. Para uns é reservado o miserabilismo, o apertar contínuo do cinto, o deixar de pagar os remédios ou de comprar carne, para outros traçam-se planos de salvação económica.
A crise para os ricos é deixar de jantar nos restaurantes mais caros e passar para outros mais em conta, mas não deixar de o fazer. É comprar menos roupa, mas continuar a fazê-lo. É vender um dos carros e ficar com os outros dois. É talvez vender o barco à vela ou a mota de água. É dispensar um dos empregados.
Não tenho pena deles.
Muitos andaram a enriquecer à conta de uma especulação capitalista desenfreada, deixada à toa, sem regras claras, apregoando os benefícios e os valores de um sistema deficiente que promove as diferenças e as acentua. Foi o que se viu e se vê: o capitalismo morreu no final de 2008. Madoffs e companhia podem ficar pobres? Duvido, quanto muito ficam menos ricos. E enquanto o ladrão que rouba cinco mil euros ao merceeiro vai para a prisão, o milionário que perde cinquenta mil milhões fica em prisão domiciliária. É uma questão de zeros, bastantes zeros.
Os pobres não têm influência, não conhecem ninguém, somente outros pobres que como eles lutam para sobreviver, muitas vezes para saber se no fim do dia podem dar de comer aos filhos. Os ricos preocupam-se com o golfe ao fim-de-semana, o negócio que corre menos bem e que carro hão de oferecer aos filhos que fizeram dezoito anos. Os pobres olham para os bolsos vazios e observam o que não têm, os ricos olham para gráficos e observam o que perderam.
Não tenho pena dos ricos que agora se suicidam porque perderam tudo e deixaram de lutar, tenho pena dos outros que, apesar de nunca terem tido nada, continuam a fazê-lo.