11 dezembro 2007

Ingrid

Ingrid Betancourt sonhou um dia tornar a Colombia, a sua Colombia, num país melhor, num território garante dos direitos humanos tão espezinhados por anos de ditadura, menos corrupto, averso à força dos narcotraficantes e imune às pressões dos guerrilheiros armados. Esse sonho alimentou outro: tornar-se um dia Presidente do país e definitivamente guiar o povo colombiano para uma paz e um bem estar há muito merecidos.
No dia 23 de Fevereiro de 2002, então em plena campanha eleitoral para as presidenciais, decidiu viajar para San Vicente del Caguán, comunidade recentemente conquistada aos guerrilheiros pelas tropas oficiais, e cujo representante local era do seu partido político, mas o Presidente Pastrana proibiu a utilização da via aérea para que viajasse com a sua comitiva. Não desistiu e foi de carro através da selva.
Foi na selva que, juntamente com outros, encontrou um outro destino, este certamente nunca sonhado, e foi raptada pelas F.A.R.C. - Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia – Ejército del Pueblo, de inspiração marxista-leninista e cubana, dirigidas por Manuel Marulanda Vélez, um antigo agricultor septuagenário agora líder revolucionário, cujo grupo movimenta, estima-se, cerca de 300 milhões de dólares anuais em tráfico de droga.
Ao longo dos anos foi tentando fugir, mas foi sempre capturada no meio da impiedosa selva. Sabe-se que está viva pois as F.A.R.C divulgam provas de vida quando mais lhes convem, umas imagens, uns pequenos filmes rudimentares, umas cartas com referências actuais. Numa destas últimas cartas, dirigida à Mãe e publicada este mês nos meios de comunicação social, revela o seu desalento, a sua desistência por seis anos de permanente tensão psicológica e física, definindo claramente "aqui vivemos como mortos" e designa a sua própria existência como "um lúgubre desperdício de tempo".
Revela que ouve diariamente a voz da Mãe pela rádio, todas as manhãs, num programa em que familiares de reféns emitem para o ar as suas mensagens e suas preces na esperança de serem ouvidos; festeja a data de aniversário dos seus três filhos cantando os parabéns em silêncio debruçada sobre o arroz ou os legumes que a alimentam; chora a morte do Pai, que só conheceu um ano depois da data num velho jornal abandonado pelo acampamento e vai, apesar da coragem e da força, desistindo aos poucos de tudo, de todos e dela própria.
Na carta despede-se da Mãe, Yolanda, com a esperança e a angústia na ponta da caneta: "Bueno, mamita, Dios nos ayude, nos guíe, nos dé paciencia y nos cubra. Por siempre y para siempre."
Quando tivermos problemas, recordemos que talvez haja pessoas, como a Ingrid Betancourt, que certamente têm problemas e desafios maiores para enfrentar.
E continuemos a esperar pela sua libertação.