18 março 2009
Se algo me enerva é o alheamento da realidade, o total desfasamento com o mundo, suas verdades e consequências.
A Igreja, lá no alto, tão alto que quase não se vê, da sua altíssima sabedoria e bom senso, é tradicionalmente e recorrentemente quem mais me enerva neste particular.
Agora, uma vez mais, pela voz do sumo Bento XVI e num périplo por terras africanas, o continente mais afectado do planeta, veio sem leviandade e pudor falar sobre o flagelo da SIDA.
O "Rato Zinger", como gentilmente o denomino com todo o carinho que me merece, veio a terreiro afirmar que esta tragédia "não pode ser resolvida só com dinheiro, nem pode ser resolvida com a distribuição de preservativos, que pode até aumentar o problema". Para ele, que no seu dia-a-dia no Vaticano lida certamente com famílias destruídas pelo vírus, crianças infectadas, povoações dizimadas, condições de saúde miseráveis, a solução passa antes pelo "despertar humano e espiritual" e pela "amizade para com aqueles que sofrem".
Pois sim.
Citando Aristóteles, "Deus é demasiado perfeito para poder pensar noutra coisa senão em si próprio". Pelos vistos, tinha toda a razão.
A mim apetece-me aconselhar muita prudência e ponderação à Igreja e suas instituições, algum discernimento aos seus mentores, muito juízo, e sobretudo uma grande dose de moderação nas palavras que proferem.
Aconselho ao Papa viver dois anos em África, mesmo que uns meses ou uns dias bastassem para sentir e experienciar na pele a triste realidade diária, os caminhos adversos que por lá se percorrem, o ambiente hostil, o espaço escuro e lúgubre apesar da luz, mas para quê quando visivelmente o que basta é um pouco de sensibilidade e compaixão? Aconselho a olhar mais para o mundo e menos para o espelho, porque o espelho do mundo está a ficar mais baço e obscuro à sua conta.
Sabe-se que abstinência ou fidelidade são para a Igreja as duas únicas maneiras de prevenir o contágio, mas que a solução para a SIDA é o "despertar humano e espiritual" e a "amizade para com aqueles que sofrem" é novidade. A partir de agora organizações como a AMI ou a "Médecins sans Frontiéres" quando confrontados com pessoas infectadas certamente oferecerão a sua amizade em vez de remédios. E que os perservativos podem até piorar o problema, essa então. O senhor da bata branca anda claramente a ler os livros errados.
Parece-me óbvio que é necessário educar as pessoas no sentido de adoptarem estilos de vida de menos risco, mas todos sabemos que isso muitas vezes não acontece e temos que viver com essa realidade, não numa "la la land" em que todos somos fiéis, abstémios, amigos uns dos outros e espiritualmente despertos. Isso não existe.
Muitas vezes pergunto-me o que diria Jesus desta sua Igreja. A mim apetece-me dizer: "bardamerda!".
Ah, é verdade, esta é mesma Igreja que pela voz do Arcebispo de Olinda, no Brasil, excomungou os médicos, a mãe e outros familiares, que salvaram uma rapariga de nove anos grávida de gémeos após ter sido violada pelo padastro, por estes terem permitido e realizado um aborto. O abusador, esse, sai incólume aos olhos de Deus.
1 Comments:
Oi G,
Olho para isso TUDO de cima para baixo com compaixão e nas palavras de Jesus direi:"eles não sabem o que fazem".
Os dogmas estão distantes da real humanidade.
Concordo com sua abordagem lúcida,corajosa,questionadora desses abusos ,crítica e consciente.
Até mais.
Cris
PS_tem novas postagens nos blogues,
vale dar uma passadinha
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