31 julho 2008

Braços cruzados

Já percebi porquê é que a nossa economia não avança. Finalmente descobri.
Invariavalmente, em todas as revistas, todos os jornais, todas as imagens e fotografias, os empresários nacionais, empreendedores por natureza, aparecem de uma de duas formas: braços cruzados ou mãos nos bolsos.
Pose braços cruzados: ainda não percebi bem o que quer transmitir esta pose. Será Confiança? Autoridade? Austeridade? Trabalho não será certamente, porque trabalho não se faz assim. O líder aparece inevitavelmente de fato escuro, gravata composta e braços cruzados, com o cuidado reflectido de colocar o braço esquerdo à frente que é para ser ver o mega relógio.
Pose mãos nos bolsos: esta é uma variante da primeira. Deve ter havido um empresário um dia que pensou "eh pá mas isto de braços cruzados dá um bocado mau aspecto, por outro lado o que é que eu faço com as mãos, vou metê-las nos bolsos que dá um ar jovem e descontraído". E assim nasceu a pose cool de mãos nos bolsos. À semelhança da inicial não se percebe muito bem o que pretende transmitir, sendo a jovialidade a única percepção. Dinâmica, acção, movimento ou trabalho é que não é.
Depois existem níveis dentro de cada uma das poses, com ou sem casaco, mangas arregaçadas ou não, olhar para a frente ou para o lado, etc...
A minha preferida é sem dúvida a de mão esquerda no bolso, mas sempre a ver-se o relógio, braço direito a segurar o casaco por trás do ombro e mangas da camisa ligeiramente arregaçadas. Lindo! Aqui está um empresário que acabou de sair da praia.
A única verdadeira mensagem comum às poses dos nossos gestores nacionais quando aparecem nos media é a de que andamos todos de braços cruzados, mãos nos bolsos ou, pior, com ar de quem foi ali e nunca mais voltou. Agora trabalho que é o que se quer, nem vê-lo.
Com líderes deste calibre, não admira que a economia não ande.

30 julho 2008

Praia

A revista Visão refere a Praia Barranco das Belharucas como a melhor em Portugal para ver e ser visto.
Pelos vistos há pessoas que não vejo que vêm pessoas que eu nunca vi num local pouco visto.
O título podia parecer apelativo, até porque um gajo nisto gosta sempre de ver, talvez menos de ser visto, mas aprofundando o texto o mesmo refere "o primeiro-ministro, José Sócrates, e o Presidente da República, Cavaco Silva, são clientes habituais desta praia." Além de, e isto já é suposição minha, os respectivos séquitos privados e políticos.
Ah bom.
Conclui-se que na Praia Barranco das Belharucas estão afinal as pessoas que ninguém vê, que ninguém quer mesmo ver, que não querem ser vistas e que, bem vistas as coisas, não interessa nem ao menino Jesus ver.
Fico mais descançado.

28 julho 2008

Serviçais

Olham sempre para a frente, olham sempre para tudo, para os mais ínfimos pormenores, para a mais recôndita falha, olham com olhos acostumados a não serem olhados, conformados à invisibilidade dos seus seres.
São as pessoas que nos servem, no nosso dia-a-dia, no nosso tempo fugaz, nos nossos devaneios, nas nossas deslocações, nos nossos passeios, na nossa vida. Trabalham em cafés, em quiosques de jornais, em autocarros, em camiões, em restaurantes, na rua a limpar o nosso lixo, em bares, em estacionamentos, em táxis, em eléctricos, em repartições, em esquadras, em ambulâncias, em portarias, em todo lado. É a legião invisível que nos carrega, que nos sustenta, que nos empurra. São os filhos indesejados de Deus, sem lugar ou propósito*, militares que marcham à cadência que impõem à própria sociedade e a quem medem constantemente o pulsar fervoroso e inquieto.
Acordam antes de todos nós, cedo demais. Deitam-se depois de todos nós, tarde demais. Talvez por isso passem por esta vida de forma invisível, eles que olham para o mundo que vive à sua frente sem nunca baixar os olhos. São os serviçais dos tempos modernos.
Olhem para eles de vez em quando, dirijam-lhes algumas palavras de simpatia e compreensão e vão ver que do outro lado um sorriso lhes iluminará o dia. O deles e o vosso.
* Fight Club

25 julho 2008

Citação

"Cada criança que nasce traz em si a mensagem de que Deus ainda não desistiu dos homens."

Rabindranath Tagore

21 julho 2008

Transeuntes do tempo

Os velhos são transeuntes do tempo.
Alguns passam por nós abraçando o que resta da sua alegria, tentando seguir tempos demasiados modernos, demasiados rápidos e frenéticos. Fazem-no com à vontade, acompanhados de uma sabedoria própria, de uma bagagem única, conhecimentos de quem já viveu tudo, mais do que uma vez. Contam histórias aos netos como se fossem contos de fadas distantes, aconselham-nos a usar uma máquina que já não existe, e perguntam onde é que é a auto-estrada da informação e se tem portagens. Riem-se das anedotas sobre o Samora Machel, recordam com melancolia os tempos em que iam ao baile, vestidos de gala e onde conheceram a Avó. Saiem de casa para apanhar ar, ver coisas novas, ouvir o mundo e vão para o jardim onde se sentam no banco do costume para reencontrar os amigos, cada vez mais escassos, e contar as malandrices dos netos e o sorriso dos filhos.
Outros, por outro lado, deixam-se ir à medida que o seu próprio tempo se esvai. Fecham-se dentro de si, como conchas à beira-mar, esse mar que já não cheiram, essa vida que já não sentem. Andam amargurados a bater nos carros que não param nas passadeiras ou a riscar aqueles que estão em cima dos passeios. Curvados para o chão, agarrados à bolsa preta com os documentos que lhes restam, prova de uma vida que ainda é, e balbuciam umas palavras ao vento, para quem as queira agarrar, à desgarrada. Velhos chatos, velhos demasiado velhos. Velhos cuja velhice lhes corre pelas veias e o tempo lhes alimenta a alma, esse tempo que antes não tinham e que agora têm em demasia. Passam vergados pela força da sua própria maldade, velhos inconformados confinados a um espaço demasiado grande. Saiem de casa porque já ninguém os atura, nem mesmo eles próprios e vão para o jardim onde se sentam no banco do costume para reencontrar os conhecidos, cada vez mais escassos, e contar o desinteresse dos filhos e as dores dos rins.
Os velhos são transeuntes do tempo.
Passam por nós com aquele cheiro a água-de-colónia ou a naftalina, esse cheiro que claramente nos indica se continuam virados para a vida ou se lentamente se inclinam para a morte.

17 julho 2008

Telebesidade

Um fantástico estudo levado a cabo pela Plataforma de Luta contra a Obesidade e cujos resultados foram conhecidos hoje, conclui brilhantemente que passar demasiado tempo em frente à televisão contribui para a obesidade.
A sério? Não?! Mesmo? Acham? Ninguém até agora tinha percebido.
Outra conclusão do estudo, esta menos conhecida, é que para perder peso os portugueses estão dispostos a fazer tudo menos deixar de comer doces.
Estão a ver que estamos no caminho certo: uma nação de zombies esticados na poltrona da sala, fixados no ópio do povo a ver programas de questionável qualidade e a comer doces como se não houvesse amanhã. Depois admiram-se que, após uma caminhada de 5 ou 10 minutos, a balança indique o mesmo peso.
Karl, a religião já era.

16 julho 2008

Citação

"Olho por olho e o mundo acabará cego"

Mahatma Gandhi

14 julho 2008

Number 23

O prédio tinha pendente uma licença de construção há muitos anos para se tornar um hotel de 4 estrelas no coração da cidade.
Arde misteriosamente durante a noite.
Não sei quanto a vocês, mas eu não acredito muito em coincidências.

10 julho 2008

Taxa Robin dos Bosques

Antes de mais os meus parabéns ao copy que trabalha num qualquer gabinete ali para os lados de São Bento: "taxa Robin dos Bosques" é de facto um nome mais original do que "taxa de equidade social" ou "taxa social integrada" ou qualquer semelhante. Pelos vistos, e sem que nenhum de nós suspeitasse, há gente brilhante a trabalhar no governo.
No entanto, o nome em si revela uma certa falsidade, e não fosse o dito Robin ser supostamente uma personagem real e não fictícia que, se eu fosse da Disney, já tinha processado o governo por usurpação ilícita de marca e bens patrimoniais irreparáveis.
A falsidade jaz no facto insofismável de que o Robin roubava aos ricos para distribuir pelos pobres, todos sabemos, e o que o governo pretende é taxar as petrolíferas para atribuir a si próprio. Tanto quanto eu saiba, o governo não fechou a porta por bancarrota e falta de comida.
Mais, uma taxa sobre as petrolíferas é há muito devida e exigida pelo povo como mera medida de justiça. Todos temos que sentir a crise na pele, e não somente alguns. Isso sim, é equidade. Ora duvido que alguma vez veremos algum cêntimo que seja dos valores angariados pela TRB - taxa Robin dos Bosques. Isto porque obviamente as gasolineiras irão rapidamente arranjar formas legais de reflectir esta taxa no preço dos combustíveis sem que qualquer um de nós possa fazer o que seja.
Já agora, aproveitem a embalagem, e criem a "taxa Dom Sebastião" para taxar o lucro dos bancos e a "taxa Ali Babá" para taxar os grandes aglomerados económicos.
Tudo isto me faz muitas vezes recordar a célebre troca de palavras entre Otelo Saraiva de Carvalho e Olof Palme logo após a revolução:
OSC - "Nós agora em Portugal acabámos com os ricos"
OP - "A sério? Nós aqui na Suécia preferimos foi acabar com os pobres"
No fundo é óbvio que nós, os meros transeuntes que caminham por este país, é que acabamos por pagar a crise. Podemos ter o TGV, novos aeroportos e auto-estradas com seis faixas, mas os nossos bolsos ficam cada vez mais vazios e os nossos cintos cada vez mais apertados.
O plano de transportes do governo leva-me aliás a crer que a ideia subjacente ao mesmo é conseguirmos fugir deste país o mais rapidamente possível.

08 julho 2008

Oxidação

Tudo oxida, tudo apodrece.

Desde a peça de fruta mais suculenta, ao pão acabado de sair do forno, quente e apetecível, tudo ganha novas propriedades quando em contacto com o famigerado oxigénio. Até nós próprios.

Oxidamos aos poucos até perecer. Até perdermos os sentidos e esvairmo-nos em lamentos racionais sobre o pouco tempo que tivemos. Oxidamos lentamente, é verdade, mas oxidamos, como tudo, como todos.

O escape humano à força implícita do tempo é regenerar-se, é tentar a desoxidação, tentar inverter um processo irreversível, brincando a pequenos deuses térreos. É, no fundo, o que acabamos por ser, cirurgiões do infinito, lutando contra a inevitabilidade, lutando inconscientemente contra o destino ferrugento da nossa existência.

Neste processo de oxidação cruzamo-nos com outros e outros seres que, como nós, lutam sem saber. Primeiro começamos por ser os mais novos, depois somos mais um dos mais novos, gradualmente passamos a ser jovens, alguns dos nossos ídolos têm a nossa idade, de repente os líderes andaram connosco no liceu e os jogadores de futebol que admiramos têm metade da nossa idade, passam a ter a idade dos nossos filhos e depois a dos nossos netos para, no final, sermos o mais velho dos velhos e esperar pelo dia em que iremos dormir demais. No fim, esperamos sem fim.

A oxidação corrompe, degenera, subverte, é injusta na sua justiça.

Não há Cillit Bang que nos valha, a oxidação veio para ficar, vencerá sempre todas as batalhas.

03 julho 2008

6 anos depois

Após 6 anos de captividade, Ingrid Betancourt, com mais 13 outros reféms, foi libertada pela tropas oficiais Colombianas.

Já tinha escrito sobre esta personalidade em dezembro passado, quando foi divulgada na imprensa internacional uma carta que ela dirigia ao mundo, mas sobretudo à Mãe e aos filhos.

Aproveitando a recente desorganização das FARC, devido à morte em Março passado de dois dos mais proeminentes líderes da organização, elementos infiltrados emitiram uma falsa ordem de transferência dos prisioneiros para que fossem levados junto ao novo número 1 da organização, Alfonso Cano. No local onde deveriam estar helicópteros das FARC estavam militares colombianos disfarçados que rapidamente aprisionaram os revolucionários e libertaram os reféns. No helicóptero, o piloto limitou-se a dizer: "Somos do exército, estão livres". Não foi disparada uma única bala.

Acaba assim uma história trágica, com o melhor dos finais possíveis.

À semelhança do príncipezinho, Ingrid pode agora sonhar. Voltou finalmente a casa onde poderá novamente abraçar a Mãe e os filhos Melanie, 22, e Lorenzo, 19, que pacientemente aguardaram por este momento. 2.321 dias depois.

02 julho 2008

True love waits

O amor verdadeiro espera.
O amor verdadeiro é paciente, lê nas entrelinhas, é consistente, resistente.
Não baixa os braços ao primeiro aperto, nem ao segundo, tão pouco ao terceiro ou ao quarto.
Irremediável, latente, absorvente.
Não obedece a ninguém, nem mesmo ao sentimento.
Não tem regras nem caminhos certos.
Por vezes ouve no escuro o som da luz, nunca desvia o olhar.
Por vezes anda de mãos dadas com as ondas das marés, sem nunca abdicar da espuma que agarra.
Não escuta os múrmurios dos outros.
Não liga aos lamentos.
O amor verdadeiro é combatente, desafia, perde, ganha, renitente.
Nunca desiste de lutar pela própria causa do seu coração, mesmo que a razão, por vezes,
Lhe diga que não.
Ri-se de tudo, ri-se de nada.
É o último sorriso, quando a penumbra se encosta à almofada,
A primeira alegria, quando o sopro da manhã invade a alma.
Impõe condições, exige empenho.
Tantas vezes cai no hábito de não se recriar, na tentação de não se preocupar.
É um sonho em perpétua construção.
Um espelho do próprio reflexo.
Uma montanha em que a escalada nunca finda.
Em cujo cume permanecemos eternamente.
O amor verdadeiro espera.
Espera por algo, espera por tudo, espera por ti.

01 julho 2008

O preço do barril

Há sempre razões para o preço do barril de petróleo subir.
No passado era o pavor de que a Coreia do Norte tivesse a bomba atómica. Ontem era a preocupação da crise financeira do sub-prime. Hoje são os receios de um ataque ao Irão. Amanhã será provavelmente o temor de uma excassez de bens alimentares. No futuro a angústia de um colapso das praças financeiras.
Uma coisa é certa: andamos cheios de medo.